Saturday 21 July 2012

O Ori de hoje tem raízes Bantu

Em Angola, haviam dias turbulentos durante os tempos de chuva e trovoadas, em que nós, os kandenges (crianças), nos encolhíamos dos mais próximos. Eu, como kasula, corria para os braços da irmã mais velha ou a dona da casa, a minha mãe.

Entre os grandes estrondos, lembro-me que éramos advertidos que, os antepassados estariam descontentes com algo ocorrido e, que a chamada teria que ser recompensada com oferendas.

Mas aonde estariam esses antepassados, pensava eu! E o que poderia fazer para apaziguar-los?

Na sinceridade, não estávamos na posição de fazermos algo, pelo simples fato que já morávamos em Luanda e os nossos antepassados, ou seja os seus Akolokolo estão há centenas de anos nas grutas sagradas dos Ovimbundu, no Planalto de Benguela.

                  
Ao contrário do raciocínio de muitos, entre os séculos 16 ao 19, os Bantos (Congo/Angola) foram o grupo Africano de maior densidade populacional no Brasil e se distribuíram por várias regiões. E os africanos Yorubás (Nigéria, Benin,Togo & Ghana) foram levados para lá 200 anos depois.(1)


O povo Ovimbundu com as suas crenças, rituais e tradições, caiu vitima da escravidão através do porto de Benguela. Pelo menos 500,000  foram levados para Rio de Janeiro e Baía.


Nas grutas sagrados do Bailundo, descansam restos de diversas gerações de antepassados. Mas não são apenas restos de avós falecidos. são os Olossoma (reis & rainhas) da nação.

De acordo com a nossa tradição e entre muitos outros povos Bantos, os reis e rainhas são sagrados, “quase” elevados a imagem e poder do todo poderoso Suku ou Nzambi (Deus).


Os restos que me foram relembrados durante  a minha infância, seriam os Akolokolo, crânios.(2)

O Ekolokolo (cabeça, crânio), e’ a unica parte dos restos dos ancestrais guardada pelos representantes dos Olossoma. Acredita-se que o Ekolokolo, visto como a parte superior do corpo,  e’ um espírito em si, a comunicação e ligação ancestral continua entre o soberano, rei/rainha, e o seu povo.  Como um guia para o resto das suas vidas.







                        Foto: Grutas sagradas/Pedras Kandumbo




Ate’ hoje, mesmo depois de tantas tentativas coloniais de erradica-las, pode-se visitar as grutas sagradas, desde que o visitante se mostre disposto a respeitar os rituais e mandamentos de entrada e saída, como por exemplo:
 

No interior da gruta, existem espaços predestinados ás mulheres de uma certa idade e, a esfregação do óleo de palma nos pulsos e os tornozelos, também conhecido como azeite de dendê.  Palavra essa que apesar de ser invocada inumeravelmente por adeptos e sacerdotes dos Candombles Ketu/nago, e’ pura e simplesmente Banto. Em Umbundu, Ondende, algo que purifica as nossas manchas morais e os nossos corações.

Seguindo a noção histórica, os povos Afro brasileiros ja’ teriam, sem margens para dúvida, o conhecimento nítido e inconfundível do conceito que tanto se identifica hoje de Ori e do fruto do dendezeiro, respectivamente, 200 anos antes da chegado dos povos Yoruba, os donos da palavra Ori.

 (A. Kandimba)



                                        Ritual de entrada

1.Yeda Pessoa 
2. Ekolokolo (singular), Akolokolo (Plural) Antonieta Kulanda
Pintura: Carybe'
FotoS: Grutas sagradas/Pedras Kandumbo (Ermelinda Buta)

Sobre Ori: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ori_%28yoruba%29

3 comments:

  1. Beleza. Bom questionamento. Só faria reparos na expressão 'povos afro brasileiros'. já que o termo no singular já se refere a todos os descendentes de africanos, independente de sua origem.

    Necessário se reparar também que o fluxo de escravos para o Brasil foi mais complexo. Os bantu vieram dem fluxos constantes desde o século 16, mas os sudaneses (logo, nem só yoruba) vieram também no século 16 e 17 e não apenas no 19.

    Por outro lado, a expressão bantu não é mais correta hoje porque se refere a uma área extensa demais da àfrica, a maior parte dela sem nenhuma relação com o Brasil. Para o Brasil só vieram, por razões logísticas ligadas às estrategias comerciais do tráfico atlântico, praticamente apenas escravos da Angola atual e de parte do Congo (bakongo, kimbundo, ovimbundo, etc.)estes, realmente em muito maior número e gente de uma pequena faixa na chamada 'Costa dos Escravos', estes em bem menor número e entre os quais os yoruba (pequena parte da nigéria e do Togo)e os ewe (Dahomey hoje Benin) predominavam.

    Embora eu não ache totalmente correta a expressão 'afro brasileiro' por ser muito generalizadora (a África é um continente, certo?) o mais correto neste caso seria pois grafar 'povo afro-brasileiro', no singular

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  2. Grato pela informacao Vissungo...

    Em relacao ao fluxo dos Africanos do ocidente ja' sabia. Estou completamente consciente desse fato. Apenas citei a pesquisadora Yeda Pessoa para se ter um uma ideia basica sobre o assunto. O texto, como reparou nao e' uma licao de historia mas sim uma experiencia pessoal. Tambem e' importante realcar que os Bantus do Brasil nao vieram apenas da area Congo/Angola. Os ultimos documentos que vi na biblioteca Tropen em Amsterdam confirmam que pelo menos 15,000 Mocambicanos foram levados para o Brasil.

    Os Yoruba nao se limitam ao Nigeria e do Togo. Sempre fizeram parte de sociedades que hj identificamos como (Nigéria, Benin,Togo & Ghana).

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  3. "ou seja os seus Akolokolo estão há centenas de anos nas grutas sagradas dos Ovimbundus, no Planalto de Benguela."
    A. Kandimba


    Recebi uma outra mensagem, desta vez de um Ovimbundu que me lembrou que realmente o "S" depois da palavra nao esta' correto. Pelo simpes fato que Ovimbundu ja' serve para identificar a comunidade em seu todo. Praticamente a mesma coisa que me foi lembrado pelo Vissungo "Só faria reparos na expressão 'povos afro brasileiros'. já que o termo no singular já se refere a todos os descendentes de africanos, independente de sua origem."

    Eu estou consciente de todos esses fatos mas, de vez em quando caiu no aportuguesamento das palavras.

    Bom que fui chamado a atencao.

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